domingo, 21 de setembro de 2014

Fé e Ciência

Os católicos precisam ser mais corajosos para mostrar que a fé e a ciência coexistem, afirma astrônomo papal.

topic

Os católicos precisam ser mais corajosos para mostrar que a religião e a ciência coexistem diz o astrônomo papal que acaba de receber um dos prêmios mais prestigiados do mundo da ciência.

O jesuíta Guy Consolmagno, que foi homenageado na semana passada com a Medalha Carl Sagan por sua “excepcional comunicação de um ativo cientista planetário”pela American Astronomical Society (AAS), conta que a Igreja não se opõe à ciência e considera o maior equívoco entre dois reinos. Consolmagno é conhecido como “porta voz de uma combinação perfeita entre a ciência planetária e a astronomia de um crente cristão” e uma “pessoa racional que consegue mostrar aos crentes de modo excepcional como a religião e a ciência podem coexistir”.
Renomado escritor e apresentador do programa de rádio da BBC “A brief history of the end of everything” (“Uma breve história sobre o fim de tudo”), Guy Consolmagno é reconhecido ainda pelas numerosas conferências realizadas na América do Norte e Europa, que ajudam a transmitir o entusiasmo pelo método científico a um público mais amplo.
Consolmagno tornou-se jesuíta com quase 40 anos, depois de trabalhar para o Harvard College Observatory, Instituto de Tecnologia de Massachusetts, e Peace Corps. Ele credita que sua formação jesuítica lhe permitiu falar sobre a fé mais abertamente. O prêmio será entregue na reunião anual da 46ª Divisão para as Ciências Planetárias em Tucson, no Arizona, em novembro.
O senhor poderia falar um pouco sobre a sua vida, o seu trabalho, e explicar por que foi premiado com a Medalha Carl Sagan?
Consolmagno: Eu sou de Detroit. Eu era um típico garoto baby boom, comecei o jardim de infância quando o Sputnik subiu, assisti o desembarque na lua no meu último ano de colégio. Meu amor pela astronomia vem desde muito cedo, quando fui para a escola jesuíta em Detroit, eu fiz as honras clássicas e escrevi para o jornal da escola. E acabei no MIT com o máximo de interesse em ler (e escrever!) ficção científica como na ciência. No entanto, descobri que fazer ciência era mais fácil do que escrever sobre isso, e então eu fiz um doutorado em astronomia planetária no Arizona e pós-doutorado em Harvard e no MIT. Mas eu continuei me questionando: “Por que ciência, enquanto as pessoas estão morrendo de fome no mundo?” – aqui a educação jesuíta entra forte -. Então parei com a ciência e fui para o Peace Corps. No Quênia as pessoas me mostraram por que estudamos ciência: a curiosidade deles pela astronomia reacendeu meu amor pela ciência; e a ‘fome’ deles para saber mais sobre o universo me fez lembrar que não vivemos só de pão.   Voltei para um emprego de professor, no Lafayette College, na Pensilvânia, e gostei muito, por isso,  decidi entrar para os jesuítas, para ensinar em uma universidade jesuíta. Em vez disso, eles me enviaram para o Observatório do Vaticano em Roma, onde, junto com a minha ciência, eu também faço várias apresentações públicas e trabalhos científicos. Então, meu antigo sonho de ser um escritor voltou depois de tudo.  
De acordo com você, como a Igreja pode mostrar que não se opõe à ciência?
Consolmagno: Não é o que “a Igreja” deve fazer como uma instituição; apoiando-nos no Observatório, a Igreja já está fazendo sua parte. Agora cabe a nós, católicos, que somos também cientistas, fazer a nossa parte. Para começar, temos de ser corajosos o suficiente para falar em nossas paróquias e em outros ambientes católicos, de dizer aos nossos irmãos católicos (e cristãos) sobre como a ciência ou a engenharia nos aproxima do Criador. Eu descobri que não são os cientistas que precisam ouvir sobre religião. Na verdade, a maioria dos cientistas está muito familiarizada com a religião e a proporção de cientistas religiosos praticamente coincide com a proporção de pessoas religiosas na comunidade onde vivem. Mas muitas pessoas religiosas só vêem “cientistas de TV”, que são uma representação da ciência como os “pregadores de TV” são para as pessoas religiosas.

Você pode falar sobre como a religião e a ciência podem coexistir?
Consolmagno: O que nos faz, como seres humanos, diferente dos macacos meramente inteligentes? A nossa capacidade de refletir sobre nós mesmos, o nosso ambiente, o nosso universo, e tomar decisões livres para amar e querer isso ou aquilo. Intelecto e livre arbítrio são atividades da alma; a ciência é o reino onde se manifestam. E por que nós, como cientistas, estudamos ciência? Se é por  fama e glória, ou por dinheiro e poder, então, estamos reduzindo nós mesmos. Mas, se é pelo simples prazer que sentimos quando vemos algo novo e belo no universo, a alegria da descoberta, o sentimento de admiração … então eu afirmo que é o tipo de alegria que nos surpreende na presença de Deus. Deus se manifesta nas coisas que Ele criou: não sou eu que estou falando, mas é uma citação de São Paulo. (Carta aos Romanos)

Você incentivou cientistas católicos a não hesitar em compartilhar o amor pela ciência com suas comunidades. O que exatamente você quer dizer com isso? Você poderia explicar dando um exemplo concreto?
Consolmagno: A paróquia é um ótimo lugar para começar. Um cientista ou um engenheiro poderia trabalhar com programas para jovens ou clubes como os Cavaleiros de Colombo, ensinando astronomia, criando um telescópio no estacionamento da igreja; ou um clube de robô, falando sobre as implicações da inteligência artificial. A paróquia é uma oportunidade para ensinar; os cientistas devem aprender a compartilhar sua paixão e alegria. Até mesmo uma pequena nota sobre a flora e fauna local no boletim paroquial pode lembrar às pessoas que existem cientistas em sua paróquia.

A sua educação jesuíta ajudou você a se sentir confortável para discutir publicamente sobre a fé. Certo? Houve certos momentos que você se sentiu desconfortável para fazer isso?
Consolmagno: Eu sempre tive orgulho de minha educação jesuíta. Além do mais, acho que a reputação de jesuíta (que como a maioria das reputações é exagerado!) abriu muitas portas para mim entre os meus colegas cientistas. Nós somos conhecidos por sermos crentes que não têm medo do mundo; abraçamos o universo, porque encontramos Deus em todas as coisas.

Qual é o maior equívoco que contribui para a noção de que a ciência e a religião não podem coexistir? E isso pode ser esclarecido de alguma forma?
Consolmagno: A “eterna guerra entre ciência e religião” tornou-se um daqueles “todo mundo sabe” factoide – como “Cristóvão Colombo provou que o mundo era redondo” – e nós aprendemos quase por osmose quando crianças, mas que é obviamente falso. Acho que a única maneira de combater isso é dar muitos exemplos de cientistas de verdade, para que as pessoas encontrem por si mesmas, ‘na carne’, argumentos que contradigam a visão eternamente falsa do mundo que nós encontramos na TV e na Internet.  

Por Deborah Castellano Lubov